De Guajajara a caraiú: Guerreiras da Floresta protegem território amazônico com estratégia inovadora

Pela conservação da Amazônia e por proteção territorial, o coletivo de mulheres indígenas Guajajara, Guerreiras da Floresta, realizaram um projeto de fortalecimento comunitário junto a povoados do entorno da Terra Indígena Caru, no oeste do Maranhão. 

A ideia foi oferecer à população não indígena, chamada de “caraiú” na língua tenetehára, um financiamento de R$ 40 mil via 20 microprojetos – R$ 2 mil a cada iniciativa –  para desenvolvimento de atividades produtivas como hortas, roças e frutíferas/quintais, reflorestamento/viveiros e criações de animais de pequeno porte. 

“O projeto fortaleceu o coletivo e mostrou que a gente se sensibiliza com a causa do outro, não importa se é indígena ou branco. Todos nós precisamos de apoio, é uma causa única”, explica Marcilene Guajajara, membro do coletivo e uma das coordenadoras do projeto.

Marcilene Guajajara é membro do coletivo Guerreiras da Floresta, da TI Caru (Foto: Andreza Andrade/Acervo ISPN)

Fruto de uma parceria entre o ISPN e a Associação Indígena Wirazu, que representa a Terra Indígena Caru, o projeto “Traçando novos caminhos para o bem viver” foi selecionado em um edital da Rede Comuá para promover proteção territorial e gestão ambiental da região, associadas à filantropia comunitária.

Tamanho sucesso, o projeto foi citado como um caso de boas práticas na plataforma Philanthropy Transformation Initiative da Wings – uma comunidade que busca provocar o campo da filantropia a transformar suas práticas e instituições e construir um movimento para enfrentar os desafios socioambientais globais.

Os microprojetos buscam facilitar acesso a recursos para uma atividade familiar ou comunitária que já está sendo realizada e que precisa de apoio para engrenar. As ações foram realizadas em duas cidades com os menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do estado, em Alto Alegre do Pindaré e em Bom Jardim, atendendo seis povoados em cada município. 

Iniciativa das Guerreiras da Floresta apoiou 20 microprojetos de comunidades do entorno da TI Caru (Foto: Caroline Yoshida/Acervo ISPN)Para Antônio Wilson Guajajara, cacique da aldeia Maçaranduba da Terra Indígena Caru, o projeto foi um motivo de orgulho para o território. “Quando soube que o projeto chegou na mão de famílias que tanto queriam e precisavam, eu me orgulhei muito”, disse, acrescentando que o objetivo é que a população não indígena enxergue os indígenas como amigos e “que essa parceria não acabe mais”.

Proteção ambiental 

Desde 2014, as mulheres da TI Caru ajudam a proteger 173 mil hectares de terra demarcada, e que faz parte do Mosaico Gurupi – maior conjunto de áreas conservadas no extremo da Amazônia Oriental, que por sua vez integra o Centro de Endemismo Belém, área de relevância social e ecológica..

Embora seja um importante patrimônio ambiental e cultural, a região é ameaçada pelo desmatamento e por atividades ilegais, como a extração de madeira, a pesca e a caça praticadas por pessoas de fora do território. 

“É um trabalho importante pois é também uma forma de a gente conhecer nosso território e as coisas bonitas que têm dentro dele”, argumenta Maísa Guajajara, membro do coletivo de mulheres e uma das coordenadoras do projeto.

Maísa Guajajara é uma das coordenadoras e proponentes da iniciativa (Foto: Caroline Yoshida/Acervo ISPN)

O coletivo juntou-se aos Guardiões da Floresta, que atua desde 2014, com objetivo de  conter as invasões na TI Caru para exploração ilegal de madeira e outros recursos florestais presentes ali.  

A terra indígena é margeada pelos rios Pindaré e Caru, além de muitos igarapés, o que facilita invasões. Quando os madeireiros percebem a presença dos guardiões, eles jogam a madeira no fundo do rio e fogem. Além disso, a TI Caru é rodeada por dezenas de povoados, distritos, assentamentos e fazendas. Essa densidade populacional aumenta a pressão pelos recursos naturais ali presentes. 

“Não é um trabalho fácil. A gente sai de casa para a patrulha sem saber se vai voltar”, lembra Maísa. Em 2019, uma liderança de um outro grupo de guardiões, Paulo Paulino Guajajara, da TI Araribóia, foi assassinado a tiros enquanto fazia seu trabalho de patrulha. Mais de 35 indígenas foram mortos no Maranhão nos últimos dez anos, segundo dados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). 

A partir de 2017, as Guerreiras também passaram a desenvolver ações de sensibilização no entorno, para compartilhar sobre seus direitos territoriais e de seus modos de vida.

Mulheres Guajajara ajudam a proteger o território com patrulha e sensibilização (Foto: Caroline Yoshida/Acervo ISPN)

Foram as mulheres Guajajara que concluíram que parte das invasões no território é realizada por conta da vulnerabilidade socioeconômica do entorno. “Nós vimos a dificuldade deles e pensamos em um projeto para ajudá-los”, explica Rosilene Guajajara, que também coordenou o projeto. 

Marcilene diz que a falta de organização coletiva desta população prejudicava o povo indígena. “Percebemos a carência do povoado próximo ao nosso território, já que as políticas públicas não chegam até eles. Então nós pensamos formas de contribuir para fortalecer a proteção do território como um todo”, acrescenta.

Maísa segue o mesmo raciocínio, concluindo que o povoado não tem recursos para promover as invasões: “o que eu percebo com esse trabalho é que quem faz a invasão não é a população do entorno e sim quem está em grandes cidades. Porque é uma logística grande e cara, considerando o aluguel da motossera, o combustível e a diária de quem vai trabalhar para retirar a madeira”.  

Ela explica que a vontade das Guerreiras é dar continuidade e ampliar o trabalho, já que, inicialmente, apenas 20 famílias foram beneficiadas. “Muita gente nos procurou perguntando quando será o próximo”, destaca, explicando que o coletivo procura por novos editais e novas possibilidades de captar recursos. 

Documentário 

Para registrar a memória da execução deste projeto, uma das etapas previstas foi a elaboração de um documentário fruto de uma oficina audiovisual oferecida para jovens indígenas do território. 

Realizada na aldeia Maçaranduba, a Oficina de Audiovisual para comunicadoras e comunicadores aconteceu entre 25 e 30 de julho de 2022. Sete jovens participaram, sendo cinco mulheres de Maçaranduba e dois homens da aldeia Januária, da TI Rio Pindaré. 

Mauro Siqueira, cineasta do Coletivo 105, conduziu o encontro presencial. Dois meses antes, processos de formação em audiovisual já haviam sido iniciados pelo WhatsApp. Na plataforma de mensagens, os participantes assistiram videoaulas e realizaram exercícios práticos de vídeos e fotografias. 

O documentário foi lançado em janeiro de 2023 e contou com apresentação para a comunidade. “Esse registro foi muito importante pois outras organizações de mulheres puderam conhecer nosso projeto e se inspirar para fazer algo parecido em suas comunidades”, diz Maísa.


Reportagem de Camila Araujo/Assessora de Comunicação ISPN.
Publicada originalmente em 5 de setembro de 2023

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